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A Cúpula do BRICS: Os temas tratados e a relação deles com as demandas da saúde global

A Cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Joanesburgo entre os dias 22 e 24 de agosto, foi tema de destaque nesta semana nas noticias internacionais pela sua importância geopolítica e econômica nos dias atuais

28/08/2023 09h14 Atualizada há 1 ano
Por: Elane Dornelles
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Foto: Ricardo Stuckert/PR

A Cúpula do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Joanesburgo entre os dias 22 e 24 de agosto, foi tema de destaque nesta semana nas noticias internacionais pela sua importância geopolítica e econômica nos dias atuais.

É de conhecimento geral a importância estratégica, principalmente quando falamos sobre a representatividade e demandas do Sul global, o papel dos BRICS, pelo seu poder econômico e político no que se refere aos atores Estatais envolvidos no bloco, tanto que resultou nesta Cúpula com a incorporação de mais 5 países, sendo eles: Argentina, Arabia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

O ponto chave que pretendo destacar, tendo em vista minha experiência e estudos na área da saúde, de uma maneira reflexiva e breve, são os principais assuntos tratados neste encontro, que a propósito é o primeiro encontro presencial do grupo desde o início da pandemia de Covid-19, a respeito da relevância dos temas correlacionando-os com as demandas de saúde global que de maneira direta e indireta ainda permeia e muito as ações políticas discutidas pelos Estados participantes. 

A ministra da saúde, Nisia Trindade, discursou na cúpula, em uma das reuniões, com o tema “cobertura universal de saúde”. A fala da ministra em favor deste tema foi enfática: “Para alcançar essa capacidade, de maneira apropriada, oportuna e inclusiva, vejo a Cobertura Universal de Saúde como a pedra angular desse esforço. É um tema de grande relevância na agenda internacional de saúde, principalmente na intensificação dos esforços para alcançar o desenvolvimento sustentável”6.

A saúde se tornou parte importante na política Internacional, não só pelo impacto da pandemia e outros agravos sazonais, mas sobre todas as dimensões da vida e da economia global pelo peso cada vez maior do complexo médico-industrial na composição de PIBs, nos orçamentos públicos e privados, sua correlação com os determinantes sociais e outros aspectos presentes que interferem no dia-dia das pessoas, sendo o termo saúde global incutido na representação destes temas nas ações políticas e sociais em um âmbito internacional.

A temática econômica do grupo com certeza segue sendo a mais divulgada, por ser a principal demanda e propósito dos países envolvidos, devido ao banco do BRICS. Dados do Banco mundial de 2022 traz a soma do PIB dos atuais integrantes deve atingir US$ 25,9 trilhões, tendo representado 25,5% da atividade econômica global1, além PIB (Produto Interno Bruto) do bloco expandido pode chegar a US$ 32,9 trilhões em 2024, de acordo com projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional), o valor representaria 29,7% do PIB global1, todos estes dados trazem incutidos demandas sociais e políticas que com certeza conversam com o tema da saúde global. 

De acordo com Fortes e Ribeiro (2014)2 diversos fenômenos sociais contribuíram para a transição da saúde internacional para a Saúde Global, entre eles: o papel cada vez maior da percepção da importância da saúde nas agendas do desenvolvimento econômico, na segurança global, na paz e na democracia; a crescente transferência internacional de riscos e oportunidades para a saúde ocasionada pela globalização; o pluralismo de atores sociais públicos e privados, atuando em parcerias; a perda do predomínio da Organização Mundial da Saúde (OMS) em decisões sobre a saúde da coletividade e o predomínio do Banco Mundial na área de investimentos em saúde; os avanços rápidos das tecnologias médicas; o ativismo por condições de acesso à saúde e aos direitos; e luta de setores da comunidade por maior participação nos processos decisórios.

Do ponto de vista da transferência internacional de insumos, a entrada do Irã no grupo e sua relação comercial com o Brasil, por exemplo, pode estreitar os laços e estratégias na área da saúde. Por exemplo, o Irã além de ser 18° na lista geral de maiores importadores do Brasil em 2022, o país avançou na produção de equipamentos médicos e nas áreas de ciência e indústria, decorrentes das sanções adotadas por muitos países ocidentais contra o Irã, sendo uma importante troca de produção entre os países do bloco nos próximos anos.

Outra pauta muito difundida nesta Cúpula foi a criação de uma unidade de referência comum para transações comerciais e investimentos, através de um estudo entre os ministros da economia de cada país para definirem uma forma de usar moedas locais e instrumentos de pagamentos que facilitassem as transações comerciais entre os países do bloco. 

Esta ação irá proporcionar uma maior discussão internacional, principalmente uma “equidade comercial” (termo colocado pelo Lula), estabelecendo uma luta em favor dos países participantes, e demais do sul global que tenham relação com o BRICS, frente a hegemonia Estadunidense no sistema internacional, contra o que a economista Dra Maria da Conceição Tavares traz em sua análise da década de 70 dos EUA no plano geoeconômico (diplomacia do dólar forte) e no plano geopolítico (diplomacia das armas), que ainda são fatores políticos e econômicos muito atuais. 

Quando tratamos desta frente econômica e comercial, a produção de insumos farmacêuticos e tecnológicos relacionados à saúde, temos um cenário de alta dependência dos países, sendo a China e a Índia os atores centrais de produção para o interesse dos demais países no Bloco. De acordo com o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), Antônio Bezerra, o Brasil tem um déficit na balança comercial beirando US$ 10 bilhões na área de IFAs (Insumos Farmacêuticos Ativos) e produtos farmacêuticos3. O Brasil produz apenas 5% do IFA utilizado pela indústria farmacêutica3 para se ter uma idéia.

É importante relembrarmos que ao longo dos anos críticos da pandemia do COVID-19, nos deparamos com um cenário Internacional hobbesiano onde os países ricos agiram de maneira egoísta ampliando exponencialmente as desigualdades, principalmente no que diz ao continente africano.

Em 2020, a corrida desenfreada para conseguir acumular máscaras, equipamentos de proteção individual e respiradores chegou ao ponto de lembrar atos de pirataria4. O secretário-geral (SG) das Nações Unidas não deixa dúvida sobre a enormidade do fracasso moral ao apontar que as economias avançadas conseguiram imunizar mais de 60% de suas populações respectivas, mas a África inteira, apenas 2%4 no ano de 2021. 

Sendo assim, é simbólico e estratégico a entrada da Etiópia mediante o pedido da África do Sul, como o principal mediador, bem como o estabelecimento do tema principal da Cúpula que foi o “BRICS e África: parceria para o crescimento mutuo, acelerado, desenvolvimento sustentável e multilateralismo inclusivo”. Este tema, inclusive, é importantíssimo sob o ponto de vista da diplomacia, tendo a saúde e as demandas sociais dos países os grandes “beneficiários” com esta temática de multilateralismo do sul global. 

Por último, sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável, onde o meio ambiente em um contexto de saúde planetária, onde as ações humanas, principalmente referentes a produção energética, exerce enorme impacto na saúde do planeta e consequentemente na saúde das pessoas (também chamado esta analise de “era do antropoceno”), a transição energética, peça chave uma vez que a entrada da Arabia Saudita e Irã, e o Brasil e China com as energias renováveis, além das pautas comerciais e políticas do ponto de vista dos projetos de sustentabilidade, serão ações que implicam diversos avanços para uma diminuição das desigualdades sociais e consequente melhora das condições de vida e de saúde dos países. 

Este é um tema complexo e que exige uma análise multifatorial que envolve muitos atores e variáveis que nesta nova perspectiva monetária internacional, os recursos energéticos, a comercialização de comodities, principalmente quando falamos dos alimentos entre os grandes produtores e exportadores como Brasil e Argentina, levando-se em conta o combate a fome que é muito relevante para o sul global, onde a Cúpula exerceu um espaço de grandes negociações e que ainda veremos muitas ações importantes para o equilíbrio que almejamos no contexto de saúde global. 

Referências Bibliográficas

1-    Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/internacional/brics-termina-com-vitoria-da-china-e-sem-vantagem-real-para-brasil/)

2-    FORTES, Paulo Antônio de Carvalho; RIBEIRO, Helena. Saúde Global em tempos de globalização. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 366-375, jun. 2014. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902014000200002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/3SZQCBNKhKBWJWbq3LbQtpz/?lang=pt#.

3-    Brasil 61 - https://brasil61.com/n/brasil-precisa-reduzir-dependencia-externa-de-insumos-farmaceuticos-afirmam-associacoes-pind234152

4-    BUSS, Paulo Marchiori; BURGER., Pedro. Diplomacia da saúde: respostas globais à pandemia. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2021. 466 p. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/diplomacia-da-saude-respostas-globais-pandemia Acessado em: 20 abril 2022.

5-    SAÚDE, Organização Pan-Americana da. Quem somos? 2022. Disponível em: https://www.paho.org/pt/quem-somos. Acesso em: 02 jan. 2023

6 - https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/agosto/ministra-da-saude-destaca-importancia-de-trabalho-conjunto-entre-paises-em-reuniao-do-brics

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Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Sobre Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Elane Dornelles Ricarte é Enfermeira especialista em Vigilância Sanitária e Saúde da Família, graduada em Relações Internacionais e Integração pela UNILA onde faz parte dos Observatórios do BRICS desde 2019 e de Gênero desde 2022 pela mesma Universidade. É voluntária no Instituto Idéia Ambiental atuando na gestão de projetos que envolvem o Meio Ambiente e a Saúde na região do tríplice fronteira do Paraná e atualmente mestranda em Estudos Comparados sobre as Américas na UNB.