Após 51 anos da Conferência de Estocolmo – quando, em 1972, países se reuniram para constatar pela primeira vez que o bem-estar humano é ligado ao do planeta – e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), onde nasceu as principais diretrizes para uma governança global ambiental, através da Carta da Terra, os desafios para se evitar um desequilíbrio irreversível sem precedentes a nível global, não só permaneceram como aumentaram nos últimos anos.
Diante deste cenário caótico, trazer a memória uma pandemia que parou o mundo há 3 anos, é necessário para refletirmos diante de uma Conferência das Nações Unidas para o clima que parece não ter desenvolvido de maneira clara e concisa uma chamada para ação dos governantes responsáveis pela política e tomada de decisão a nível global durante a COP28. Floresta é saúde e energia limpa é o seguro saúde, uma vez que a mudança do clima já impacta, diretamente e em vários aspectos, à saúde global e planetária.
Apesar de ter se tornado eloquente a relação saúde e meio ambiente após a pandemia da H1N1 e da COVID-19, essa relação ainda é pouco difundida quanto a políticas públicas, no contexto da saúde planetária, com relação à influência do antropoceno nas mudanças climáticas e na saúde das pessoas. De acordo com Alves (2020), o Antropoceno representa um novo período da história do Planeta, em que o ser humano se tornou a força impulsionadora da degradação ambiental e o vetor de ações que são catalisadoras de uma provável catástrofe ecológica.
Mesmo sendo óbvio é preciso lembrarmos que as mudanças climáticas trazem diversos prejuízos para a saúde com o aumento de doenças ligadas a poluição, aumento na escala da fome devido à escassez de alimentos e aumento de preços devido os desastres ambientais, aumento de vetores como mosquitos que causam doenças como a dengue e a malária, por exemplo, diminuição da capacidade laboral das pessoas devido ao aumento do calor influenciando a economia e a força de trabalho (trabalhadores rurais que trabalham em áreas externas principalmente), são alguns dos fatores que fazem com que atores privados e governos debatam sobre as políticas de governança que repercutirão nos sistemas de saúde e na sobrevivência da população.
O aumento da temperatura global incide diretamente no que chamamos de determinantes sociais da saúde, que segundo o Relatório Final da Comissão Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, realizada na 62ª Assembleia Mundial de Saúde da OMS (2009), “Os Determinantes sociais da saúde são determinantes estruturais e condições da vida cotidiana responsáveis pela maior parte das iniquidades em saúde entre os países e internamente. Eles incluem distribuição de poder, renda, bens e serviços e as condições de vida das pessoas, e o seu acesso ao cuidado à saúde, escolas e educação; suas condições de trabalho e lazer; e o estado de sua moradia e ambiente”.
Por isso, às premissas referentes ao combate das mudanças climáticas, pensando na perspectiva da saúde global e planetária, precisa estar atrelada a uma governança global que seja concisa e coerente entre as regiões do globo (não dá para cada um pensar apenas na sua produção e mitigação interna sem considerar o impacto de cada política no plano Internacional), fortalecimento e resiliência dos sistemas de saúde para um novo contexto de mudança do clima global e financiamento para as populações mais vulneráveis, principalmente aquelas que vivem em florestas e aos refugiados decorrentes de conflitos ou de desastres climáticos.
O grande desafio para o cenário pós COVID que enfrentamos no momento é aprender com a pandemia e suas consequências decorrentes do desequilíbrio que a atual era do antropoceno vêm refletindo no bem-estar das pessoas e do planeta, uma vez que a saúde, conforme o período crítico de 2020 a 2022, foi um dos setores que demandou maior volume de recursos financeiros e de mão de obra em situações de desastres.
Conforme Cristóvam Barcellos (pesquisador e geógrafo do ICICT/FIOCRUZ), em uma entrevista onde ele diz: “Pela primeira vez na COP, o setor de saúde apresentou a conta também. Como ação efetiva, foi criado um Fundo de Perdas e Danos para recuperar os estragos causados pela crise climática. Por meio dele, tona-se obrigatório algum pagamento aos países periféricos, os mais prejudicados nesse contexto. Ainda é muito pouco, pois as contribuições são voluntárias e somam pouco mais de US$ 400 milhões de dólares. É muito pouco. Não soma nem um mês de orçamento do SUS” (ICICT/FIOCRUZ, 2023).
Sendo assim, à Presidência da COP28 uniu-se à Organização Mundial da Saúde (OMS) para apresentar a "Declaração sobre Clima e Saúde dos Emirados Árabes Unidos da COP28", visando impulsionar medidas destinadas a preservar a saúde das pessoas diante dos efeitos climáticos. Este anúncio ocorreu durante a Reunião de cúpula Mundial de Ação Climática, ratificada por 123 nações, essa declaração representa um marco histórico ao reconhecer pela primeira vez a imperatividade de os governos protegerem suas populações e organizarem os sistemas de saúde para enfrentar os desafios relacionados ao clima.
Conforme o site Saneamento Ambiental (2023), esta ação conjunta ocorre num momento em que as mortes anuais causadas pelo ar poluído atingem quase nove milhões e em que 189 milhões de pessoas são expostas a eventos climáticos extremos todos os anos. Outro importante avanço, segundo a UNICEF (2023), é o documento Global Stock take (GST) que abriu novos caminhos ao reconhecer que limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau requer reduções drásticas nas emissões globais de gases com efeito estufa e uma transição do uso de combustíveis fósseis.
"A crise climática é uma crise de saúde, mas durante muito tempo a saúde foi uma nota de rodapé nos debates sobre o clima", afirmou o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. Com isto, um dos grandes desafios ainda estão pela frente, pois para que se mitigue a crise da saúde é preciso atentar para uma ação rápida e em grande escala para descarbonizar os sistemas energéticos e reduzir as emissões em pelo menos 43% nos próximos sete anos, duas grandes questões levantadas no país sede que faz parte dos grandes produtores de petróleo.
Portanto, pensando na realidade brasileira, mesmo após a entrada do Brasil na OPEP trazendo contradições ao país diante do discurso de sustentabilidade e energia renovável que o Brasil vem produzindo nos últimos eventos internacionais de cooperação, ainda assim, não deixa de refletir o protagonismo do país quanto a sua inteligência epidêmica e de organização do SUS com equidade, universalidade e participação da comunidade (diretrizes constitucionais no artigo 198 que trata da saúde) e sua liderança estratégica na região amazônica, sem deixar de considerar os outros biomas importantes do país, como um passo importante na construção de uma agenda de cooperação internacional em saúde diante das mudanças climáticas.
Referências
ICICT/FIOCRUZ. Observatório de Clima e Saúde participa da COP 28. 2023. Assessoria de Comunicação do Icict/Fiocruz. Disponível em: https://www.icict.fiocruz.br/content/observatorio-de-clima-e-saude-participa-da-cop-28. Acesso em: 25 dez. 2023.
AMBIENTAL, Saneamento. Declaração sobre Clima e Saúde em parceria com OMS. 2023. Disponível em: https://www.sambiental.com.br/noticias/declaracao-sobre-clima-e-saude-em-parceria-com-oms. Acesso em: 25 dez. 2023.
BRASIL. UNICEF. Declaração da diretora executiva adjunta do UNICEF, Kitty van der Heijden, na conclusão da COP28. 2023. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/declaracao-da-diretora-executiva-adjunta-do-unicef-na-conclusao-da-cop28. Acesso em: 25 dez. 2023