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Dívida externa dos países: um olhar internacional sobre o arcabouço fiscal

As regras fiscais, de um modo geral, servem para impor limites aos gastos públicos e apontam para uma gestão responsável dos recursos públicos

29/05/2023 16h04 Atualizada há 1 ano
Por: Elane Dornelles
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As regras fiscais, de um modo geral, servem para impor limites aos gastos públicos. Elas apontam para uma gestão responsável dos recursos públicos e são importantes para preservar a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos, relativos às políticas públicas, para atender as demandas da população, bem como os gastos referentes aos pagamentos da dívida pública.

Sendo assim, conforme Nogueira (2023)[1], o Regime Fiscal Sustentável, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023), é um mecanismo de controle do endividamento que substitui o Teto de Gastos, atualmente em vigor, por um regime fi­scal sustentável focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas.

Sabemos que quando falamos de gasto público, estamos falando de uma série de fatores e aspectos micro e macro econômicos. Porém, vamos entender este tema sobre a perspectiva da dívida pública e do quanto o Brasil e a política Brasileira colocam uma lupa em certos aspectos e uma venda nos olhos em outro?

Uma das lupas é a respeito da dívida externa. Um dos grandes “medos do mercado”, muito divulgado pela mídia, está relacionado com a dívida externa e o seu pagamento. Sabemos que um limite para a dívida é importante, principalmente levando-se em conta a redução de algumas despesas correntes (gastos de manutenção e funcionamento dos serviços públicos em geral que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital). São exemplos destas despesas: vencimentos e encargos com pessoal, juros da dívida, compra de matérias-primas e bens de consumo, serviços de terceiros, manutenção de equipamentos, subvenções a entidades (para gastos de custeio) e transferência a entes públicos (para gastos de custeio)[2]. 

De uma maneira geral, a dívida dos países em desenvolvimento é uma mistura de exploração da herança colonial somada aos empréstimos necessários, junto ao FMI e outros órgãos financeiros internacionais, para a reconstrução destes países pós colônia. E para essa estruturação é necessário um nível de investimento a nível social e tecnológico, ou seja, mais gastos públicos.

Com isso, para entendermos esta questão, vamos aos dados de comparação da dívida com outros países? Afinal, a herança histórica da dívida envolve não só os explorados, mas os exploradores que também estão no limbo do saldo devedor do “extrato” internacional Estatal. Somando-se a isso, temos também o endividamento com a crise de 2008, somado a pandemia da COVID que intensificou ainda mais os problemas econômicos dos países.  

Para se ter uma idéia, o crescimento global deve desacelerar para um de seus ritmos mais lentos em quase três décadas, ficando atrás apenas das recessões globais de 2009 e 2020. Um paradoxo desta conta é o Japão, conforme uma matéria publicada pela BBC Brasil[3], a dívida pública japonesa atingiu US$ 9,2 trilhões (cerca de R$ 47,7 trilhões). O valor corresponde a 266% do PIB do país — o percentual mais alto entre as principais economias do mundo. O motivo para tamanha cifra? O país vem ampliando os gastos internos há décadas, para manter sua economia em funcionamento (estamos falando de uma economia altamente tecnológica e que investe pesado no desenvolvimento interno).

Mas é valido colocar que essa condição japonesa esta abarcada em uma “base histórica” e cultural diferenciada (apesar dos estragos da 2°guerra mundial o Japão tomou estratégias importantes que os colocaram em um lugar importante na economia Asiática e mundial), que faz com que o país tenha crédito internacional, apesar do tamanho desta dívida. Essa base está nas taxas de juros extremamente baixas, o fato de que a maior parte da dívida do Japão não é definida em moeda estrangeira, mas sim em ienes, sua moeda local e a característica de que 90% da dívida estão nas mãos de investidores japoneses. 

Outro país no topo da dívida externa é os EUA, afinal de contas é sobre o peso e a reputação de sua dívida que os EUA sustentaram a supremacia do dólar e com isso impulsionaram a transnacionalização de seu mercado financeiro e de capitais, a fim de diluir este aspecto no Sistema Internacional. No cenário mundial, inclusive, da para se ter uma idéia como a dívida não é algo dado apenas aos países periféricos, ao contrário, conforme mostra o Ranking Mundial da relação Dívida Pública/PIB (veja tabela ao final do texto).

Como podemos perceber neste ranking que grandes economias estão no grupo dos endividados diante desta grande e complexa rede financeira capitalista internacional. Esta condição se relaciona com múltiplos fatores históricos e sociais que vão determinar onde estes países estarão nos próximos anos. Um estudo do Banco Mundial constatou que países cujas relações dívida-PIB excedem 77% por períodos prolongados, experimentam desacelerações significativas no crescimento econômico[4]. Além disso, a tabela abaixo do Banco Central mostra a desaceleração mundial[5] (veja tabela ao final do texto).

Sendo assim, e nos voltando para o caso brasileiro, porque falar sobre o arcabouço fiscal e sobre a dívida externa é algo amplamente divulgado pela mídia como um “equilíbrio das contas”, no entanto, até que ponto isso trará de fato crescimento para o país? E os investimentos para este crescimento? Por que frear o investimento público quando se sabe que o crescimento econômico é o que puxa os investimentos? E sobre o mínimo de gastos com as demandas sociais? Não vamos também pensar sobre isso?

Para uma primeira analise sobre estas perguntas um autor muito importante que trata da perspectiva do pleno emprego, Michal Kalecki (1899-1970) um economista polonês conhecido por suas contribuições para a teoria macroeconômica, fala em seu texto “Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego” de 1944, sobre um aspecto importante quando nos referimos aos investimentos governamentais em face da dívida e dos juros ligadas ao Estado, conforme o texto a seguir:

“Cada alargamento da atividade estatal é encarado com suspeita pelo “mundo dos negócios”, mas a criação de emprego por meio da despesa governamental tem um aspecto especial que torna a oposição particularmente intensa. Em um sistema de laissez faire[6] o nível do emprego depende, em grande parte, do assim chamado estado de confiança. Se este se deteriora, o investimento privado declina, do que resulta uma queda do produto e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário que a queda das rendas exerce sobre o consumo e o investimento). Isso dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo que possa abalar o estado de confiança deve ser cuidadosamente evitado, porque causaria uma crise econômica. Mas, uma vez que o Governo aprenda o truque de aumentar o emprego por meio de suas próprias despesas, esse poderoso mecanismo de controle perde sua eficácia. Daí que os déficits orçamentários necessários para efetuar a intervenção governamental passam a ser encarados como perigosos. A função social da doutrina da “finança sadia” é fazer com que o nível de emprego dependa do “estado de confiança” (KALECKI, 1944)[7].

Este texto (recomendo muito ler ele por completo), mostra em como toda esta discussão diz respeito sobre interesses de poucos empresários e sobre aspectos políticos que se concentra-se nos aspectos puramente econômicos do problema, sem dar a devida atenção às realidades políticas e sociais ligadas a ela. Além do óbvio interesse de preservação dos estoques de riqueza, haveria uma preocupação – mais ou menos implícita, conforme o contexto – com a preservação da “meritocracia do mercado”, pela qual o acesso aos bens de consumo haveria de dar-se somente no campo das trocas mercantis, por oposição a qualquer forma de consumo subsidiado coletivo.

Outro aspecto importante desta discussão, no que diz respeito a américa latina, são os dados da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina) dos quais apontam que em um contexto de incertezas externas e restrições internas, os países da região crescerão 3,7% em 2022, pouco mais da metade da taxa de 6,7% registrada em 2021[8]. Estima-se que em 2023 se aprofunde a desaceleração do crescimento econômico e se alcance uma taxa de 1,3%. Estes valores se relacionam com a diminuição de fluxos de capitais para a região, volatilidade financeira e aumento da inflação. 

Esta discussão também perpassa pela questão constitucional que estabelece no artigo 198 e 212 sobre os gastos mínimos com saúde e educação, respectivamente, sendo que o artigo 212 no inciso II estabelece 20% (vinte por cento) dos recursos para transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino público. Há muito mais para ser dito sobre este assunto no âmbito das Relações Internacionais e no aspecto nacional, mas isso será assunto para os próximos textos!



[1] NOGUEIRA, Carolina. Novo arcabouço fiscal. 2023. Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/novo-arcabouco-fiscal/index.html. Acesso em: 26 maio 2023

[2] BRASÍLIA. Grupo de trabalho permanente de integração da câmara dos deputados com o senado federal. Glossário de termos orçamentários. 2020. Termo: Despesa Corrente. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/legislacao-e-publicacoes/glossario-orcamentario/-/orcamentario/termo/despesa_ corrente#:~:text=Gastos%20de%20manuten%C3%A7% C3%A3o%20e%20funcionamento,de%20um%20bem%20de%20capital.. Acesso em: 27 maio 2023

[3] Matéria disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64333089

[4] CLUBE DOS POUPADORES (Brasil). Ranking Mundial Dívida Pública / PIB – Atualizado. Disponível em: https://clubedospoupadores.com/ranking-divida-pib. Acesso em: 29 maio 2023

[5] EUA. WORLD BANK. Global Economic Prospects. Washington, p. 1-198, 15 jan. 2023. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/publication/global-economic-prospects. Acesso em: 29 maio 2023.

[6] O laissez faire é uma expressão em francês usada para se referir ao liberalismo, ou seja, é à ideia de deixar o mercado agir sem interferências das ações do governo.

[7] KALECKI, Michal. Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego. 1944. In. Série BNDS, 2010. Disponível em: http://www.afbndes.org.br/seriebndes/kalecki.htm. Acesso em: 29 maio 2023.

[8] https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/economias-america-latina-caribe-se-desacelerarao-2023-crescerao-13

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Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Sobre Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Elane Dornelles Ricarte é Enfermeira especialista em Vigilância Sanitária e Saúde da Família, graduada em Relações Internacionais e Integração pela UNILA onde faz parte dos Observatórios do BRICS desde 2019 e de Gênero desde 2022 pela mesma Universidade. É voluntária no Instituto Idéia Ambiental atuando na gestão de projetos que envolvem o Meio Ambiente e a Saúde na região do tríplice fronteira do Paraná e atualmente mestranda em Estudos Comparados sobre as Américas na UNB.