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O prêmio Camões, o Chico, Portugal e a roda viva: “A gente estancou de repente ou foi o mundo que cresceu?"

Quando falamos sobre as notícias internacionais, além dos “clichês” políticos, de guerras, acordos e etc, existem também o lado cultural e social que demonstram as demandas reais no âmbito interno dos países e que acabam por influenciar em diversas dimensões

28/04/2023 09h12
Por: Elane Dornelles
Ricardo Stuckert/Presidência
Ricardo Stuckert/Presidência

Quando falamos sobre as notícias internacionais, além dos “clichês” políticos, de guerras, acordos e etc, existem também o lado cultural e social que demonstram as demandas reais no âmbito interno dos países e que acabam por influenciar em diversas dimensões, pois como diz Maria Aparecida Leonardo em sua tese de mestrado sobre “A dimensão da cultura nas relações internacionais” (2009)[1]: o desenvolvimento e cultura estão intimamente ligados e se influenciam mutuamente. 

Sendo assim, a entrega do prêmio Camões na última segunda-feira (24), no Palácio Queluz, em Lisboa, o principal da literatura em língua portuguesa, ao músico, dramaturgo e escritor brasileiro Chico Buarque, demonstrou a importância da cultura e do reconhecimento dela no contexto político, cultural ou no conjunto de fatores que foram citados no tom do discurso do ganhador do prêmio e das autoridades do Brasil e de Portugal que estavam representadas.

Conforme a Agência Brasil[2], o Prêmio Camões foi instituído em 1988 por Brasil e Portugal e reconhece, anualmente, autores cuja obra contribua para a projeção e o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. Ele é realizado e financiado pela Biblioteca Nacional do Brasil e pela Secretaria de Cultura de Portugal e conta com um grupo seleto de jurados brasileiros, portugueses e africanos.

A escolha do ganhador, não foi um mero acaso. Em sua trajetória artística Chico Buarque transitou entre a poesia, o romance, mas sem esquecer a política, a ditadura, “o samba, a viola, a roseira que um dia a fogueira queimou” (trecho da canção roda viva), fazendo dele um escritor que marcou muitas gerações com sua produção. Em seu discurso, inclusive, ele fez questão de destacar a época da ditadura e da censura que antes eram um fato histórico, mas que o ultimo governo do ex presidente Bolsonaro acabou por relembrar com suas atitudes de negação do que foi construído no âmbito político e cultural no Brasil (inclusive a recusa pelo ex presidente em entregar o prêmio ao Chico Buarque). 

“Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido”, diz em tom de brincadeira Chico Buarque, fazendo menção ao cancelamento da entrega decorrente da recusa do ex presidente em 2019. “Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de governo, funesto, duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás”, disse.

Importante dizer que esta percepção do Chico do “andar para trás”, repercutiu além do aspecto cultural, uma vez que esta visita do presidente Lula à Portugal serviu também para participação na abertura da 13ª Cúpula Brasil-Portugal, que já não acontecia havia sete anos. De acordo com o primeiro Ministro Português, Antônio Costa, a recusa do ex presidente Bolsonaro em entregar a premiação do prêmio Camões serviu como um exemplo do esfriamento das relações entre Brasil e Portugal nos últimos anos. 

"Queria sublinhar a importância do dia de hoje, em que depois de sete anos de interrupção retomamos as cimeiras (cúpulas) anuais entre Portugal e o Brasil. Retomamos estas cimeiras na segunda visita que em poucos meses o presidente Lula faz a Portugal e na primeira visita que o presidente Lula faz à Europa"[3], disse o Ministro de acordo com a BBC Brasil. 

Com isso, o estacamento brasileiro, fazendo uma alusão ao título deste texto, se transforma, através da retomada do “caminhar para frente”, do retorno as liberdades de expressão, de cultura, de acordos com antigos aliados políticos governamentais, como Portugal, e ao contrário do contexto histórico de ditadura citado na canção “roda viva”, poder “fazer serenata e roda de samba”.

Ao longo da sua vida, Chico Buarque escreveu as peças de teatro Roda Viva (1968); Calabar (1972, juntamente com Ruy Guerra); Gota D’Água (1974, com Paulo Pontes), e Ópera do Malandro (1978), além de escrever seu primeiro romance, Estorvo, lançado em 1991, sem contar sua vasta obra musical que vale a pena verificar. E para quem não viu, segue link da transmissão ao vivo de entrega do prêmio: https://www.youtube.com/watch?v=1izB3ZL3ygk



[1] Link do resumo da dissertação: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/RelInternac_LeonardoMA_1.pdf

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-04/chico-buarque-recebe-premio-camoes

[3] https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce96y65534eo

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Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Sobre Giro Internacional - por Elane Dornelles Ricarte
Elane Dornelles Ricarte é Enfermeira especialista em Vigilância Sanitária e Saúde da Família, graduada em Relações Internacionais e Integração pela UNILA onde faz parte dos Observatórios do BRICS desde 2019 e de Gênero desde 2022 pela mesma Universidade. É voluntária no Instituto Idéia Ambiental atuando na gestão de projetos que envolvem o Meio Ambiente e a Saúde na região do tríplice fronteira do Paraná e atualmente mestranda em Estudos Comparados sobre as Américas na UNB.