O mês de dezembro estava marcado para ser o início de uma nova fase do exercício da medicina no País, através do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme fora anunciado pelos secretários do Ministério da Saúde (MS), Mayara Pinheiro e Raphael Câmara, respectivamente secretária de Gestão do Trabalho e da Educação e o secretário da Atenção Primária.
Em edição extra do Diário Oficial da União (D.O.U), publicada em dezembro, na segunda-feira (3), o Governo Federal anunciou a abertura de 21,5 mil vagas para o ousado Programa Médicos pelo Brasil, a serem preenchidas em 5.233 municípios – abrangendo cerca de 94% do território nacional – dentre os quais Ponta Grossa se faz presente e se qualifica com 22 vagas para novos médicos, no máximo.
Dentre os critérios adotados para definir as cidades elegíveis ao Programa, destacam-se a classificação geográfica pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), número de hospitalizações por condições sensíveis à Atenção Primária em Saúde (APS) e, coerentemente, o grau de vulnerabilidade socioeconômica da Região, bem como a estimativa da população local dependente do SUS. Será a primeira etapa da tão aguardada carreira médica de Estado?
É fato que o anúncio marca uma nova fase na saúde pública, iniciando as atividades da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária (ADAPS), criada pela Lei n.º 13.958/2019, na qual Câmara e Pinheiro compõe respectivamente a presidência e vice-presidência do Conselho. Instituído pelo Decreto n.º 10.283/2020, a finalidade do Órgão é organizar e qualificar a assistência dentro da APS, levando médicos à mesma, além de realizar contratos e convênios de forma a viabilizar o seu fortalecimento. Neste primeiro ano de trabalho, a previsão orçamentária é de 1,2 bilhão de reais.
Criado através de Medida Provisória (MP) pelo então Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2019, o Programa Médicos pelo Brasil é a substituição do Programa Mais Médicos. Com dois anos de atraso, a primeira seleção, que será realizada através de prova escrita de conhecimentos técnicos, está prevista para janeiro, sendo que a previsão para início das atividades dos profissionais ocorrerá apenas em março. Em caso de preenchimento total de vagas, conforme o proposto, a população muito se beneficiará com a ampliação das áreas de abrangência e assistência da APS, pois levará saúde aos mais diversos rincões do País, difundindo melhorias no acompanhamento de doenças e agravos agudos e crônicos, bem como promovendo melhorias nas condições de vida da população local referente à área de abrangência de cada equipe.
Insta salientar que a APS constitui a base estrutural do SUS, em que, em um cenário ideal, 8 em cada 10 queixas são resolvidas sem a necessidade de encaminhamento para a Atenção Especializada. Para tanto, faz-se necessário que o médico, bem como toda a sua equipe, esteja capacitado para o cuidado integral, universal e equânime das demandas apresentadas pela população neste nível de atenção. Infelizmente, hoje está paisagem está longe de ser real, o que leva às intermináveis filas para consultas e avaliações com os especialistas, onerando o sistema de modo a inviabilizar o seu principal objetivo: qualidade e resolução na assistência em saúde para a população.
O novo programa objetiva implantar e solidificar a carreira médica de Estado dentro do SUS, priorizando os locais de alta vulnerabilidade, áreas remotas, indígenas, fluviais e quilombolas, em especial nas regiões Norte e Nordeste do país. A estruturação teórica do programa é palpável, prometendo melhor remuneração, gratificação para atuação em áreas prioritárias, perspectiva de crescimento dentro da carreira e avaliação regular de desempenho profissional através da continuidade da qualificação profissional, o que até então inexiste.
A formação continuada em Medicina de Família e Comunidade (MFC) é o principal instrumento de aposta para o sucesso do Programa, porém se faz necessário saber em quais condições haverá este processo de ensino-aprendizagem. Há que se salientar que o Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade já existe e que a mesma é reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Todavia, ainda que haja contrapartida dos municípios, a área seguirá defasada pela inconstância de políticas públicas e pela submissão dos profissionais e de sua autonomia à governos municipais que pouco entendem de saúde pública e que a utilizam como lobby para satisfazer metas percentuais eleitoreiras. Haverá, portanto, interesse dos candidatos aprovados no novo programa em permanecer em uma carreira sem autonomia?
Muito esperado - e consistente -, o Programa parece ser uma luz no fim do túnel para a maior parte das mazelas da saúde pública, levando brilho e esperança aos olhos da classe médica que tanto padeceu ao longo dos últimos anos em governos ditos populares, mas feitos por populistas. Desde a sua criação, o SUS nunca contou com um programa tão pautado na expansibilidade da atenção de forma exequível, fato que aumenta a crença por parte dos profissionais na valorização que nunca existiu. Resta saber se, por mais uma vez, não viveremos somente de promessas – e serviremos apenas para horário eleitoral gratuito no pleito vindouro.
(*) Residente em Dermatologia – HU/UEL
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