Tempos atrás postei um vídeo em meu Tik Tok comentando sobre a “obrigatoriedade” dos pais de prover certas necessidades básicas dos filhos e o vídeo atingiu em torno de 100 mil visualizações, recebendo mais de 500 comentários de diversas opiniões, inclusive alguns destes abordando sobre os “filhos que não amam os pais”. E hoje eu decidi falar sobre isso.
Ser mãe ou pai não é nada fácil, não existe um manual definitivo de como criar os filhos e mesmo que exista leituras sobre, no fim se faz o que dá com as ferramentas que tem. Se tem uma coisa que eu ouvi muito das minhas avós, dos meus pais, dos pais dos meus pacientes, dos meus pacientes que são pais e hoje ouço de minha própria boca (pois também sou mãe), é que a maioria de nós tenta dar aos nossos filhos aquilo que não teve. Levando isso em consideração, podemos entender que muitos pais, agem com boas intenções. Certo?
Estou colocando aqui “a maioria”, “muitos”, “alguns”, porque não irei generalizar situações. Como Psicóloga Clínica, ouço relatos dolorosos semanalmente vindo de adultos, jovens e adolescentes que em sua infância, adolescência e em muitos casos, na sua vida atual, sofreram ou ainda sofrem com pais abusivos, negligentes e violentos. Portanto, vamos cuidar para não medir a vida do outro com a nossa régua, ok? Mais empatia por favor!
Enfim, como eu ia dizendo, muitos pais agem com a boa intenção de dar tudo aquilo que eles não tiveram: uma casa confortável, com alguns luxos, fartura na mesa, roupinha lavada, educação em escolas particulares, cursinhos de inglês, de natação, de artes marciais, instrumentos musicais etc. E tantas outras coisas que, eu acredito realmente, ser a melhor das intenções.
Mas nesse discurso, tanto dos pais quanto dos filhos (sejam estes jovens ou adultos já), eu percebo o seguinte: o foco no material, no palpável, no recurso financeiro. Mas calma, não vamos exaltar os ânimos. Eu sei que até certo ponto o material é necessário, até porque a criança precisa comer, precisa de um teto, de roupa etc. Mas assim, vamos conversar aqui como adultos maduros, responsáveis e educados, tá? Vamos saber separar as necessidades básicas essenciais para o bom desenvolvimento de nossos filhos, dos extras que gostaríamos de proporcionar.
Ter comida na mesa como arroz, feijão, legumes, frutas e outros saudáveis, é diferente de comer pizza, lanche e outros que você encontra no Ifood, todos os dias. E por que eu estou fazendo essa diferenciação? Para que você possa refletir, junto comigo e, se possível, revisitar o seu passado em busca de coisas que você teve, que foram boas e saudáveis, e outras que você não teve, mas que não são palpáveis, para repassar ao seu filho. Te confundi? Calma, vou dar alguns exemplos.
Feche os olhos, respire fundo e viaje no tempo comigo e se pergunte: na criação que eu recebi dos meus pais, o que eu tive de bom? Eu tive tempo de qualidade com a minha mãe ou meu pai? Eles brincavam comigo? Eles me colocavam para dormir? Cuidavam de mim quando eu estava doente? Se interessavam genuinamente quando eu estava falando alguma coisa, fosse da escola ou ideia mirabolante de criança? Eu tive um pai ou uma mãe alegres, felizes e saudáveis (fisicamente e psicologicamente)? Me ensinaram o que fazia bem e o que fazia mal e me deixaram livre para escolher? Respeitaram a minha identidade, autenticidade, personalidade, minhas escolhas, meus amigos e minha sexualidade? Me ensinaram ou se preocupavam ao menos, com o meu desenvolvimento enquanto ser humano, em direção a ser alguém responsável, respeitoso, carinhoso, amável e livre?
Com os “SIM” e “NÃO” obtidos diante dessas perguntas, você já terá uma ideia do que você teve de bom, ou do que você não teve e que pode ir em busca para proporcionar ao seu filho. Não é só de bem material que se vive ou que se cria uma criança. E eu gostaria de citar aqui o Estatuto da Criança e do Adolescente com o Art. 4º onde diz que “É dever da família, [...] assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
E ainda com o Art. 5º onde diz que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade [...].”. E por que tudo isso? Para que tudo isso? Se lá em cima, eu citei sobre os “filhos que não amam os pais”?
Porque meu caro leitor, as crianças aprendem no seio familiar como devem se relacionar, como devem se tratar e tratar as outras pessoas. Se você enquanto pai e mãe, ensina que ela enquanto sua família, nunca terá sua atenção genuína e que você está apenas cumprindo o Artigo 229 da Constituição Federal que diz que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”, seu filho, quando crescer só dará continuidade ao artigo onde diz que “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Então se você espera um dia receber retorno ou suporte, especialmente afetivo de seus filhos adultos, eu peço que você se pergunte o que você está plantando nessa relação. Não tem condições de colher batata se você planta cenoura, rs. Uma criança é muito mais saudável e feliz com pais saudáveis, felizes e realizados ao lado dela, do que com pais trabalhando compulsivamente para lhe dar os smartphones da última geração.
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