O ano de 2024 já começa evocando a necessidade de aplicar as ferramentas propostas pela Saúde Única nos 12 princípios de Manhattan, discutidos há aproximadamente 20 anos em Nova York. Esses princípios preconizam medidas de prevenção para potenciais doenças emergentes e reemergentes, resultantes da interação entre seres humanos, animais e meio ambiente, ou seja, a Saúde Única.
Essa quebra na abordagem saúde se reflete nas diversas doenças que estão ocorrendo no Brasil. A que está em destaque no momento é o vírus Oropouche, caracterizado como um arbovírus reemergente de grande preocupação para a saúde pública brasileira. Ele é responsável por vários surtos de febre aguda, registrando mais de meio milhão de casos conforme evidências científicas.
Os primeiros registros do atual surto de Oropouche no Brasil foram feitos no final de 2022 pelo Laboratório Central (LACEN) de Roraima, seguido pelos estados do Amazonas, Rondônia e Acre. Em Roraima, atualmente, existem mais casos confirmados para Oropouche do que para dengue.
No entanto, o vírus Oropouche já havia sido registrado na Amazônia na década de 1990. Com as mudanças causadas pelo homem, o vírus ressurge, causando a febre Oropouche, uma infecção febril semelhante a dengue, com alto potencial epidêmico. Até o momento, não foram registradas mortes; contudo, o vírus pode causar infecções sistêmicas, incluindo o sistema nervoso e o sanguíneo. Os principais sintomas desse vírus são febre alta, dor de cabeça intensa, dor nos olhos, dor muscular e nas articulações, erupção cutânea e sangramento leve.
O Brasil enfrenta fortemente as consequências da quebra de um dos pilares da Saúde Única, a saúde ambiental, o que se reflete na incidência de casos desse vírus. Este está intrinsecamente favorecido por condições ambientais, nas quais tais características estão relacionadas ao aumento e distribuição da população vetora em áreas de tráfego humano. Atualmente, não existem vacinas ou tratamentos antivirais disponíveis. Uma abordagem alternativa para limitar a propagação do vírus é interromper os mecanismos de replicação viral, ainda em estudos.
A transmissão do vírus Oropouche ocorre tanto através de ciclos urbanos, quanto silvestres, sendo o mosquito Culicoides paraensis (popularmente conhecido como "maurim"), o vetor principal em áreas urbanas. No entanto, outros vetores de mosquito (Culex quinquefasciatus, Aedes aegypti, Ochlerotatus serratus) também podem manter seu ciclo urbano. Não foi observada, até o presente momento, a transmissão direta de pessoa para pessoa. Ainda são possíveis hospedeiros as aves selvagens, a preguiça-de-três-dedos, os macacos-prego e bugios.
A ampla presença dos mosquitos, aliada a perturbações ambientais humanas e extensas viagens humanas e animais destacam o potencial do vírus Oropouche para emergir em outros territórios tropicais do Brasil. As principais características comuns das áreas afetadas foram o clima tropical, alta frequência de chuvas, atividades semelhantes dos residentes, urbanização não planejada e padrões de vida muito baixo, características presentes em muitas cidades brasileiras.
A história epidemiológica da febre Oropouche demonstra o papel das mudanças ambientais e climáticas induzidas pelo homem na disseminação e prevalência de hospedeiros e vetores. Além disso, considerando que as mudanças ambientais e climáticas, juntamente com a extensa migração de populações são efeitos globais não será surpreendente que esse vírus se espalhe para fora da América do Sul em um futuro muito próximo.
*Willian Barbosa Sales é Biólogo, Doutor em Saúde e Meio Ambiente, Coordenador dos cursos de Pós-graduação área da saúde do Centro Universitário Internacional UNINTER.