De acordo com o coordenador do Núcleo na UEPG, Pedro Henrique Weirich Neto, que também chefia o Departamento de Ciências do Solo e Engenharia Agrícola, a proposta local é focar em agroecologia desde o primeiro contato com os produtores. Ele avalia que no país há a “produção de alimentos com uma carga de moléculas sintéticas muito grande, e aumentando ano a ano. Várias dessas moléculas sintéticas são altamente venenosas, em todos os sentidos. E não é só no sentido de você comer a molécula, é de estar poluindo o solo, a água e o ar”.
Por essa razão, durante as orientações, o órgão da UEPG não apenas fornece diretrizes sobre o plantio de orgânicos, mas também sobre como realizá-lo de forma sustentável, com foco na preservação dos recursos naturais e em métodos culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis, voltados para a agricultura familiar. “A gente acredita muito nisso, no que a gente chama de agroecologia, e no que a agroecologia vai desencadear naturalmente no produto orgânico”, defende o professor.
Após receber as orientações e iniciar suas produções, os agricultores precisam demonstrar que seus itens estão em conformidade com a legislação de orgânicos. É nessa etapa que o Núcleo atua, realizando as verificações, que podem ser individuais ou em grupo. “Não basta somente produzir sem agrotóxicos, é preciso seguir preceitos agroecológicos e sociais. Já tivemos um grupo que foi descredenciado por conta da constatação de um caso de violência doméstica com um dos membros. Então, é maior do que o compromisso de plantar de forma sustentável”, comenta o professor Pedro.
A importância da agricultura familiar no Brasil
Informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar indicam que o setor gera 10,1 milhões de empregos e é crucial para o desenvolvimento econômico de 90% das cidades com menos de 20 mil habitantes, segundo um levantamento de 2024 da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).
O relatório do próprio Núcleo da UEPG aponta que as famílias atendidas não teriam capacidade financeira para custear a certificação de orgânicos de forma independente, devido aos altos custos envolvidos. “Então, em 2009, o governo do Paraná decidiu que bancaria o custo. A gente começou com três ou quatro universidades, a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná (Seti) puxou a iniciativa. Nós, via Laboratório de Mecanização Agrícola [Lama], estamos no projeto desde sempre. Fazemos parte dos fundadores”, recorda o professor Pedro.
Aprovação dos agricultores
Rosane Souza, agricultora de Teixeira Soares, produz dentro dos princípios da agroecologia e já nota os resultados. “Depois que eu comecei a plantar orgânico, comecei a ver além do plantar e colher. Cada coisinha dentro da natureza tem seu equilíbrio, não tem nada solto”, relata.
Em Curiúva, Vitor Vale se orgulha de fornecer alimentos para a rede escolar. “São muito boas as trocas que a gente tem em cada visita do Paraná Mais Orgânico. Me sinto satisfeito em saber que estou entregando comida de verdade para os colégios, com valor nutricional para as crianças se alimentarem”, comemora.
Formação e pesquisa
A professora argumenta que a iniciativa “é uma extensão que verdadeiramente atende as demandas da sociedade. É a curricularização, que a gente está falando muito hoje dentro das universidades e de todos os institutos de ensino. Tem que vir a demanda da comunidade para a gente resolver aqui dentro e gerar soluções. E isso a gente consegue ver nos trabalhos que são feitos dentro do núcleo”, explica a docente, que um dia foi bolsista na UEPG.
A bolsista atual do programa e agrônoma, Tainara Alves de Moura, comenta que participar do programa Paraná Mais Orgânico tem sido uma experiência extremamente enriquecedora. “A cada dia, temos a oportunidade de unir o conhecimento acadêmico com os saberes tradicionais dos agricultores, construindo juntos uma agricultura mais consciente, sustentável e regenerativa. Mais do que técnicas, aprendemos a importância da escuta, da sensibilidade e do respeito pelas realidades locais. É gratificante ver como essa integração de saberes gera impactos positivos, não só na qualidade dos alimentos, mas também na vida das famílias agricultoras”, afirma.
Pesquisa constante
No âmbito do projeto, os professores também precisam de investigação contínua para apresentar conteúdos atualizados. É o que garante o professor Jaime Alberti Gomes. “O projeto é muito interessante, porque nos obriga a estar sempre se atualizando, não só na agricultura convencional, que é boa parte do que a gente acaba trabalhando e vivenciando dentro do curso de agronomia, mas, também nessa parte da agricultura de base familiar, onde esse projeto se enquadra mais. É ensino, é pesquisa e é extensão”, completa.
Nesse campo investigativo, o Laboratório de Mecanização Agrícola (Lama) é um parceiro do Núcleo, o que permite que cada trabalho seja individualizado, especialmente quando é preciso analisar a saúde do solo, especialidade do laboratório. “A gente trabalha muito com água e solo. Nós precisamos cuidar desse solo, mantê-lo coberto, termos o cuidado com a inclinação. Temos gente fazendo mestrado e doutorado nessa área, pesquisando aqui junto do Núcleo, o que nos auxilia muito”, finaliza o professor Pedro, destacando o apoio constante dos professores Carlos Hugo Rocha e do próprio Jaime Alberti Gomes, ambos integrantes do Lama.
Banco de variedades e normas seguidas à risca
Outra vertente de auxílio aos produtores locais, dentro do centro de certificação, é a seleção de sementes e plantas por meio de métodos científicos. Conforme explica o coordenador Pedro, são escolhidas as culturas mais adaptadas à região, com maior produtividade e resiliência. Simultaneamente, estudos são conduzidos para minimizar o descarte, transformando produções que, a princípio, não seriam aproveitadas em novos produtos. “Por exemplo, a batata-doce. No mercado convencional, você separa aquelas mais bonitinhas, aquelas que estão seguindo um padrão e descarta o restante, aquelas mais ‘feinhas’. Aqui, a gente de certa forma separa as melhores, mas, aproveita as demais para pesquisar o uso delas como fontes de biocombustíveis. Reduzimos muito o desperdício”, declara.
Para manter a certificação, os agricultores devem seguir regras rígidas, como a manutenção de um diário onde registram todas as práticas de cultivo. Cabe ao Núcleo verificar essa e outras diretrizes. Quando há inconformidades, são sugeridas adequações e, uma vez resolvidas as pendências, o produtor pode reaver a certificação. “Outra coisa que eu percebi muito, é como os cadernos de campo me ajudaram a me organizar e as visitas das técnicas do programa me incentivam a sempre me manter firme no propósito”, conta a produtora Rosane Souza.
Merenda escolar
O Núcleo também fomenta políticas públicas nos municípios para que as prefeituras priorizem a aquisição de produtos orgânicos locais e da agricultura familiar. Essa ação está alinhada à lei do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que determina que no mínimo 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a merenda escolar sejam usados na compra de alimentos “produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais”. “Sempre buscamos sensibilizar as prefeituras, mostrando que comprando de produtores locais, o dinheiro fica e circula movimentando a economia da cidade”, destaca o professor Pedro.
Paraná é líder nacional em orgânicos
O Paraná lidera o ranking de agricultores orgânicos certificados no Brasil. Dados do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO) apontam que o estado possui 4.399 certificados ativos. O Rio Grande do Sul aparece em segundo lugar, com aproximadamente metade dos certificados paranaenses, um fato influenciado também pelas enchentes de 2024 naquele estado.
O Paraná Mais Orgânico é uma colaboração entre o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná-Iapar-Emater (IDR-Paraná), a Seti, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e as universidades estaduais. A UEPG integra a iniciativa desde sua criação, em 2009.
O núcleo da UEPG
Em Ponta Grossa, o núcleo está localizado no Campus Uvaranas, Bloco F, Sala 4. Os telefones para contato são (42) 3220-3092 e (42) 99836-3631, e o e-mail é lama@uepg.br . Segundo a Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, o agricultor interessado deve contatar o núcleo, e um técnico fará as ações de assistência técnica e extensão para adequar a propriedade. Após essa etapa, há um período de adaptação e uma auditoria. Se todas as exigências legais forem cumpridas, o certificado é emitido.
Texto e fotos: Helton Costa