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Aula no cemitério

Cemitério São José: “muito além do lugar onde a vida termina”

Em conversa com o site comVc portal, o Historiador Prof. Felipe Soares comenta sobre o simbolismo histórico, arquitetônico e cultural do Cemitério Municipal de Ponta Grossa

08/10/2021 17h57
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Cemitério Municipal São José, no Centro de Ponta Grossa. Imagem: Reprodução/comVc portal.
Cemitério Municipal São José, no Centro de Ponta Grossa. Imagem: Reprodução/comVc portal.

O Cemitério Municipal São José existe em Ponta Grossa desde o fim do século XIX. Considerado um dos mais antigos cemitérios da cidade, o Cemitério São José se destaca pelos traços artísticos em suas dependências, como na arquitetura dos mausoléus, nas imagens presentes nas sepulturas, e também por ser um templo de cultura e religiosidade popular ponta-grossense. Por conta desses valores que o Professor e Historiador Felipe Soares, atuante desde 2012, teve a ideia de aplicar aos seus alunos do primeiro ano do Ensino Médio, uma “aula no cemitério”.

“Essa aula cumpre uma função de pensar a memória pública da cidade, com os nomes importantes e personalidades marcantes da história de Ponta Grossa enterradas no local, mas também é uma aula que graças ao grande patrimônio histórico, arquitetônico e artístico que existe dentro do Cemitério São José, é importante para discutir sobre as representações sagradas de morte, de como diferentes religiões, sociedades, pessoas, indivíduos e culturas representam e simbolizam a arte fúnebre”, comenta o professor, destacando o reconhecimento que o Cemitério Municipal de Ponta Grossa possui pela sua “beleza artística e arquitetônica” no Sul do Brasil.

 

Riquezas históricas, culturais e religiosas

Felipe conta que a variedade artística formada ao longo da história do cemitério mostrou-se presente em túmulos com estruturas inspiradas, por exemplo, nas Pirâmides do Egito; em representatividades religiosas, como no túmulo de uma família judaica, onde está presente a Estrela de Davi; e em sepulturas que retratam a importância de pessoas históricas de Ponta Grossa, como é o caso do túmulo do Barão de Guaraúna (1820-1891), o maior do Cemitério São José. Além desses, um dos túmulos mais visitados da cidade é o de Corina Portugal, mulher assassinada pelo marido em 1889, que se tornou uma “santa” popular graças aos vários testemunhos de fé registrados e manifestados em sua sepultura.

“O túmulo da Corina Portugal é o que mais me chama a atenção por diversos motivos: primeiro pela história da Corina, que foi morta no final do século XIX e representa um dos casos mais antigos e chocantes de feminicídio em Ponta Grossa; e depois por conta da santificação popular que a Corina alcançou. Foi um crime que chocou muito a cidade, principalmente as mulheres que se viram representadas na história da Corina, e que também passaram por situações parecidas, de violência doméstica contra a mulher, que infelizmente eram corriqueiras em Ponta Grossa na época”, explica o professor, sobre as primeiras manifestações de fé à Corina na história da cidade.

Segundo Felipe, não se sabe exatamente quando começaram essas expressões religiosas em torno da história de Corina Portugal, mas que foi por volta dos anos 40 e 50 que essa santidade se tornou mais forte em Ponta Grossa. Seu túmulo é repleto de placas de agradecimentos, imagens e testemunhos de milagres realizados pela santa popular. “Chama atenção também o fato de que o túmulo da Corina Portugal é bem pequeno e modesto, se comparado a outros túmulos. Ele é bastante humilde, mas é o túmulo mais importante e mais vivo do Cemitério Municipal”, complementa.

 

Espelho da sociedade

“Costumo dizer aos meus alunos que o cemitério é a ‘cidade dos mortos’, pois ele também representa relações de poder dentro da cidade, e ali naquele espaço existem classes sociais, personificações e símbolos que denotam status, por exemplo, túmulos da Força Aérea Brasileira, do Exército Brasileiro, de Maçons, entre outros. Eu costumo pensar que, por ser a cidade dos mortos, representa muito o que é a sociedade dos vivos, entre suas divisões sociais”, acrescenta Felipe, sobre a experiência da “aula no cemitério” que promove aos estudantes.

“Uma observação minha também é o fato de possuir no cemitério uma região feita para abrigar ossadas de pessoas que não tem identificação. Tem um ditado africano que fala que ‘a gente não morre quando nosso corpo para de funcionar, e sim quando deixa de ser lembrado’, e toda vez que visito o Cemitério Municipal e logo na entrada me deparo com os grandes túmulos e mausoléus que denotam poder, riqueza e imponência, eu olho para o outro lado, lá no cantinho do cemitério e fico pensando ‘quem são aquelas pessoas?’ – é uma coisa que sempre me chamou a atenção”, conclui o professor.

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