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O impacto na infância e adolescência dos vetos à Lei Orçamentária

Por Matheus Rojja Fernandes*

08/02/2024 09h27 Atualizada há 9 meses
Por: Matheus Fernandes
Reprodução/Freepik
Reprodução/Freepik

A Mensagem n.º 754, emitida pelo Governo Federal em 30 de dezembro de 2023, apresentou uma série de vetos à Lei n.º 14.791, de 29 de dezembro de 2023, que delineia as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2024, o que desperta questionamentos quanto à sua justificativa e consequências. contudo, é imperativo ressaltar que esses vetos têm grande impacto na área da infância e adolescência, sendo necessário uma análise crítica.

O veto ao artigo 4º causa preocupação. Este artigo apresenta as prioridades e metas para a administração pública federal em 2024, incluindo ações integradas de saúde e educação para crianças com deficiência, assim como ações de fiscalização do trabalho escravo e infantil. A justificativa apresentada pelo Governo, sob a alegação de que a ampliação dispersaria esforços, é questionável quando se trata de áreas fundamentais para o desenvolvimento integral das novas gerações. Dessa forma, representa uma falta de consideração pela relevância de setores que requerem atenção prioritária.

A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de dezembro revela que, em 2022, havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil. Isso representa 4,9% da população na faixa etária em questão. O número de crianças e adolescentes nessa situação vinha caindo desde 2016 (2,1 milhões), chegando a 1,8 milhão em 2019. Contudo, em 2022, esse contingente aumentou. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o trabalho infantil como “aquele que é perigoso e prejudicial para a saúde e o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere na sua escolarização”.

Além disso, é importante salientar o veto ao § 11 do artigo 7º. O presente parágrafo propõe a identificação de recursos destinados às despesas com crianças e adolescentes por meio de um Plano Orçamentário (P.O) específico. A justificativa do Governo de que tal medida contraria o interesse público, alegando complexidade e limitação da flexibilidade do classificador, parece ignorar a relevância de assegurar transparência e a alocação adequada de recursos para questões tão relevantes. É preciso questionar se complexidade apresentada ultrapassa a necessidade de proteger e investir na prioridade absoluta, assegurado pela Carta Política de 1988, em seu artigo 227.

Em continuidade aos vetos, a seção III do anexo III, que trata da promoção da prevenção às violências contra crianças e adolescentes, foi objeto de veto sob a alegação de contrariedade ao interesse público. Essa medida requer reflexões aprofundadas sobre a prioridade orçamentária e a salvaguarda de questões relevantes.

É necessário examinar se a alegações de contrariedade ao interesse público, invocada como justificativa, se sustenta diante da relevância e urgência da promoção da prevenção às violências contra crianças e adolescentes. A inclusão dessas medidas no Anexo III demonstra a intenção de proteger determinadas despesas, reconhecendo a importância de ações voltadas para a proteção dessa parcela vulnerável da sociedade. A alegação de que a ressalva de um conjunto de itens tornaria o orçamento mais rígido merece críticas. A proteção às crianças e adolescentes não deve ser vista como uma rigidez orçamentária indesejada, mas sim como um compromisso ético e moral inegociável. Considerar a promoção da prevenção às violências como um obstáculo financeiro é ignorar o papel essencial do Estado na proteção dos direitos fundamentais, especialmente em relação à prioridade absoluta, estabelecida pelo artigo 227 da Carta Política de 1988.

A razão apresentada para o veto fundamenta-se na inclusão de 17 itens no Anexo III, da Seção III, que seriam ressalvados de eventual contingenciamento. A justificativa é de que essa inclusão tornaria o orçamento mais rígido, o que dificultaria a gestão orçamentária e financeira da União, além de ter um impacto nas metas fiscais estabelecidas. Além disso, a argumentação de que a inclusão desses itens poderia impactar as metas fiscais traçadas levanta questionamentos sobre as prioridades estabelecidas no processo orçamentário. A proteção às crianças e adolescentes não deve ser sacrificada em prol de metas fiscais, mas sim considerada como uma prioridade inalienável.

No entanto, outro dispositivo vetado que, aqui, merece ser comemorado é o artigo 185, que proíbe a União de realizar despesas que promovam ações influenciadoras sobre crianças e adolescentes em relação às opções sexuais, bem como cirurgias de mudança de sexo nessa faixa etária. A justificativa apresentada pelo Governo é de que essas vedações extrapolam o comum, gerando insegurança jurídica. Dessa forma, considera-se a urgência de assegurar o respeito aos direitos individuais e prevenir práticas discriminatórias, bem como de evitar que informações falsas estejam presentes no texto normativo.

Diante deste cenário, torna-se essencial que haja uma discussão aprofundada sobre os vetos e seus efeitos nas políticas públicas para a infância e adolescência. A sociedade civil, os órgãos competentes e os legisladores devem se unir em defesa dos direitos da prioridade absoluta. A derrubada de grande parte dos vetos não é apenas um imperativo moral, mas também uma medida necessária para assegurar que políticas públicas efetivas e inclusivas sejam implementadas, e a criança e o adolescente sejam tratados como prioridade.

O impacto desses vetos transcende as questões orçamentárias e tem um impacto direto na qualidade de vida e no desenvolvimento de crianças e adolescentes. A derrubada dos vetos não é apenas uma reivindicação em prol da infância e adolescência; é um apelo à consciência coletiva em relação à responsabilidade que temos com as gerações presentes e futuras. Em um momento em que a equidade e a inclusão são valores fundamentais, é inconcebível que medidas que promovam esses princípios sejam vetados.

Como sociedade, devemos demandar a apreciação cautelosa dos vetos, enfatizando que as escolhas deliberadas não podem negligenciar o presente e o futuro do Brasil. A infância e adolescência são pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável e para uma sociedade mais justa e equitativa.

A derrubada de grande parte dos vetos torna-se um passo fundamental em direção a um compromisso real com o bem-estar e o presente e futuro de nossas crianças e adolescentes. É um chamado à ação com o objetivo de assegurar que as decisões orçamentárias reflitam o interesse público, especialmente quando se trata de absoluta prioridade.

 

*Ex-coordenador do gabinete da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

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