Uma tecnologia que permite o monitoramento não invasivo do cérebro está disponível em clínicas e consultórios neurológicos do Paraná. A healthtech brasileira brain4care, que já conta com mais de 30 hospitais de referência no país – entre eles, o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba – utilizando seu indicador de saúde neurológica, seja em UTIs ou em estudos científicos, desenvolveu um modelo de negócios específico para clínicas e consultórios. “Nosso objetivo é ampliar os benefícios de uma tecnologia que, além de não invasiva, não emite radiação, não precisa de contraste e permite o monitoramento cerebral indolor e contínuo até em pacientes críticos, a um número cada vez maior de pessoas”, afirma Regiane Gonzalez Alves, gerente de acesso da brain4care. A solução é oferecida a clínicas e consultórios por meio de uma assinatura mensal e inclui o licenciamento do software, o sensor em comodato, treinamento e suporte.
O médico neurologista Marcos Lange é um dos profissionais de Curitiba que já adotou o monitoramento brain4care em seu consultório. Ele conta que conheceu a tecnologia em 2014 em um artigo científico e, imediatamente, ficou interessado em saber mais. Até aquele momento o que imperava na medicina era o conceito de que a caixa craniana no adulto era não expansível, portanto, para ter acesso a dados da pressão intracraniana – uma informação muito importante para aferir a saúde do cérebro e fazer diagnósticos – era preciso lançar mão de procedimentos invasivos, como inserir por meio de uma cirurgia um cateter no cérebro do paciente. O artigo mostrava que o cientista brasileiro, Sérgio Mascarenhas (1928 – 2021) tinha derrubado esse conceito, ao provar que a caixa craniana não era rígida e que pequenas deformações podiam ser captadas por fora.
Além disso, com base em sua descoberta, Mascarenhas desenvolveu um sensor que, com auxílio de uma cinta na cabeça do paciente, captava as deformações que eram enviadas por internet para uma nuvem, onde um algoritmo as interpretava e devolvia em tempo real na tela de um computador com os dados da complacência cerebral. Ou seja, como estava o equilíbrio entre os três elementos que estão no interior da caixa craniana – tecido, sangue arterial e venoso e fluido cerebral (líquor) – e a pressão intracraniana. “Entrei em contato com a brain4care, mas naquele momento a tecnologia precisava de um monitor paramédico, desses usados em UTIs de hospitais, o que inviabilizava o uso no consultório. Com o tempo, o método evoluiu para uma solução wireless e os dados podem ser vistos na tela de qualquer computador ou tablet e é essa solução que estamos usando no consultório”, informa Lange.
O neurologista conta que atende muitos pacientes com dores de cabeça e enxaquecas crônicas e o monitoramento não invasivo aliado a exames de imagem tem sido muito importante para diagnósticos mais assertivos, evitando, em alguns casos, a necessidade de punções lombares, e para o acompanhamento dos pacientes durante o tratamento. Uma paciente na 20ª semana de gravidez com dores de cabeça diárias, principalmente quando deitada, foi encaminhada pelo seu obstetra para Lange. Ao neurologista, ela contou que a dor de cabeça era tão forte ao deitar-se que tinha passado a dormir sentada para suportar. A ressonância magnética apresentou padrões normais. A paciente foi submetida ao monitoramento cerebral não invasivo, acomodada em uma cama ortostática, que possui articulações que permitem mudar a posição (deitada, mais elevada, em pé). “Verificamos que a complacência cerebral da paciente ficava alterada apenas na posição deitada”, informa o neurologista.
Segundo Lange, durante a gravidez, é possível acontecer alterações no fluxo sanguíneo bombeado do coração para os demais órgãos do corpo, incluindo o cérebro, e era isso que estava acontecendo com a paciente e causando as dores de cabeça. Esse quadro também aumenta o risco de trombose na gravidez. A paciente foi tratada com medicamento específico para melhorar o fluxo sanguíneo e as dores passaram. Ela também foi monitorada após o tratamento e a complacência cerebral estava normal. “Se não tivéssemos acesso à tecnologia brain4care, a opção seria fazer uma punção lombar em decúbito lateral para ter dados da pressão intracraniana, mas por esse método não teríamos essa informação da paciente nas posições em pé e deitada, o que foi fundamental para o diagnóstico”, pondera.
Lange ressalta que a brain4care é a primeira a fornecer dados sobre a complacência cerebral, uma informação muito importante para avaliar a saúde neurológica. Em sua opinião, em breve o sensor brain4care será tão comum em consultórios médicos quanto o estetoscópio pela relevância da informação e simplicidade do método. O consultório adquiriu a assinatura de um sensor em maio deste ano, com a expectativa de retorno sobre o investimento em 12 meses. No entanto, nos cinco primeiros meses, já havia recuperado 60% do investimento.
A viabilidade econômica da solução também surpreendeu o médico neurologista Milton Rastelli, que atua em Curitiba. Ele disse que inicialmente, conheceu a tecnologia brain4care por meio de uma matéria na imprensa. “Como neurologista fiquei muito interessado, mas achei que era uma tecnologia de ponta e cara que nunca poderia estar ao meu alcance e de meus pacientes”, conta. Tempos depois, quando a brain4care entrou em contato com ele com objetivo de apresentar a tecnologia, ficou feliz por estar certo sobre os benefícios que poderia oferecer a seus pacientes e enganado sobre a impossibilidade do investimento. “Tive acesso a estudos científicos sobre o monitoramento não invasivo e uma apresentação detalhada. Decidi aderir recentemente, em agosto. Depois fiz o treinamento e tenho suporte na interpretação dos laudos”, diz.
Rastelli atende pacientes que apresentam quadros como dores de cabeça, casos de tumores cerebrais, trauma craniano e hidrocefalia. “O monitoramento não invasivo, aliado aos demais exames e análise clínica do paciente, é importante para, por exemplo, excluir ou confirmar um quadro de hipertensão intracraniana. É uma informação adicional importante que me deixa mais tranquilo no manejo do paciente”, conclui.